A reação do presidente Jair Bolsonaro à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para diretor-geral da Polícia Federal, surpreendeu os integrantes da mais alta Corte do país e provocou uma corrente de apoio ao colega de tribunal. Os magistrados esperavam que o governo recorresse por meio da Advocacia-Geral da União (AGU). No entanto, o que se viu foi um ataque direto do chefe do Executivo a Moraes.
Bolsonaro disse, ontem, que vai tentar manter a nomeação de Ramagem para o comando da PF e disparou contra Moraes. “Cumpri a decisão liminar chateado. No meu entender, uma decisão política”, disparou. “Eu não engoli essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não engoli. Não é essa a forma de tratar o chefe do Executivo. Tirar numa canetada, desautorizar o presidente da República com uma ‘canetada’, dizendo em impessoalidade? Ontem (quarta-feira) quase tivemos uma crise institucional. Faltou pouco. Eu apelo a todos que respeitem a Constituição.”
O chefe do Executivo enfatizou o fato de o ministro ter citado o princípio da impessoalidade na decisão. “Como o Alexandre de Moraes foi para o Supremo? Amizade com o senhor Michel Temer”, alfinetou, numa referência ao fato de o ministro ter ingressado na Corte, em 2018, por meio de indicação do então chefe do Executivo. Ele desafiou o ministro a tirar Ramagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), cargo que hoje ocupa. “Se não pode estar na Polícia Federal, também não pode estar na Abin. Senhor Alexandre de Moraes, aguardo de Vossa Excelência uma canetada para tirar o Ramagem da Abin. Para ser coerente”, disse.
Ao longo do dia, ministros do STF saíram em defesa do colega e repreenderam o que chamaram de uma tentativa de intimidar o Poder Judiciário. Luís Roberto Barroso afirmou que o colega atua de forma “técnica” e “independente”. “O ministro Alexandre de Moraes chegou ao Supremo Tribunal Federal após sólida carreira acadêmica e de haver ocupado cargos públicos relevantes, sempre com competência e integridade. No Supremo, sua atuação tem se marcado pelo conhecimento técnico e pela independência. Sentimo-nos honrados em tê-lo aqui”, declarou.
O ministro Gilmar Mendes manifestou-se de forma mais contundente e declarou que não se pode aceitar qualquer tipo de ação que tente impor censura aos tribunais. “As decisões judiciais podem ser criticadas e são suscetíveis de recurso, enquanto mecanismo de controle. O que não se aceita — e se revela ilegítima — é a censura personalista aos membros do Judiciário. Ao lado da independência, a Constituição consagra a harmonia entre poderes”, escreveu no Twitter.
Moraes se posicionou durante sessão virtual da Corte. O ministro afirmou que “a sociedade é quem sofre” com as disputas políticas que ocorrem por via judicial ou pela imprensa. Sem citar diretamente Bolsonaro, disse que a “União poderia fazer mais” para conter a pandemia de coronavírus. “O Brasil já chega a quase seis mil mortos. Seis mil mortos. Enquanto nós continuarmos, entes federativos continuarem brigando, judicialmente ou pela imprensa, é a população que sofre”, destacou. “Que nós que exercemos cargos públicos possamos olhar para a população e afirmar que estamos fazendo o melhor com base em regras técnicas, regras de saúde pública, regras internacionalmente conhecidas. E não com base em achismos, com base em pseudomonopólios de poder por autoridade.”
Desabafo
À noite, na live das quintas-feiras, Bolsonaro classificou suas declarações como desabafo. “Fiz um desabafo hoje de manhã (ontem). Não ofendi ninguém nem nenhuma instituição. Tenho convicção disso. Apenas me coloquei no lugar do Ramagem”, alegou.
Segundo Bolsonaro, a indicação de Ramagem se baseia no extenso currículo do delegado. O chefe do Executivo passou cerca de 15 minutos comentando a vida pregressa dele e destacou que teve atuações em Roraima e na Lava-Jato, por exemplo. “O crime dele, o errado, foi participar da minha segurança”, ironizou, lembrando que Ramagem foi chefe da segurança dele. “Ali nasceu uma amizade. Assim como você tem com a pessoa que trabalha na sua casa, na sua empresa. Ele tomava café comigo. Acho que ele foi num casamento de um filho meu.”
Correio Brasiliense